terça-feira, 21 de abril de 2009

O âmbito da sociologia - Anthony Giddens



Já se apaixonou alguma vez? É praticamente certo que sim. A maioria das pessoas sabe desde a adolescência o que é estar apaixonado e, para muitos de nós, o amor e os romances aportam alguns dos mais intensos sentimentos de nossa vida. Por que as pessoas se apaixonam? A resposta, a primera vista, parece obvia. O amor expressa uma atração física e pessoal que dois indivíduos sentem um pelo outro. Hoje em dia, podemos ser céticos diante da idéia de que o amor "é para sempre", porém nos habituamos a pensar que apaixonar-se é uma experiência que tem origem em sentimentos humanos universais. Parece completamente natural que um casal que se apaixona queira realizar-se pessoal e sexualmente através de sua relação, e, quem sabe, mediante o matrimonio.
Contudo, esta situação, que hoje nos parece evidente é, de fato, bastante fora do comum. Apaixonar-se não é uma experiência que a maioria das pessoas no mundo tenha, e, se a tem, não conduz ao vinculo do matrimonio. A idéia do amor romântico não se propagou no Ocidente até uma época bastante recente e nem ao menos existiu na maioria das outras culturas.
Somente nos tempos modernos se passou a considerar que o amor e a sexualidade estariam intimamente ligados. John Boswell, historiador da Idade Média européia, destacou até que ponto nossa idéia contemporânea do amor romântico é não usual. Na Europa medieval quase ninguém se casava por amor. De fato, existia então o seguinte dito: "Amar a própria esposa com paixão é adultério". Naqueles dias e durante séculos os homens e as mulheres se casavam principalmente para manter a propriedade dos bens familiares ou para criar filhos que trabalhariam em suas fazendas. Uma vez casados, podiam chega a ser bons amigos, no entanto, isto ocorria depois das bodas e não antes. Às vezes as pessoas tinham outros relacionamentos sexuais à margem do matrimonio, porém, estas apenas inspiravam as emoções que agora relacionamos com o amor. O amor romântico se considerava, no melhor dos casos, uma debilidade e, no pior, uma espécie de enfermidade.
Hoje em dia nossa atitude é quase contrária. Com razão fala Boswell que "praticamente [existe] uma obsessão na moderna cultura industrial" com o amor romântico: os que estão imersos neste "mar de amor" se habituam a tomá-lo como fato [...] Em muito poucas culturas pré-modernas ou contemporâneas não industrializadas se aceitaria esta idéia que não suscita polêmica no Ocidente - de que "o objetivo de um homem é amar uma mulher e o de uma mulher a um homem". Para a maioria das pessoas de todas as épocas e lugares esta valorização do ser humano pareceria bastante pobre. (Boswell, 1995, p. xix.)
Assim, não se pode considerar o amor romântico como parte intrínseca da vida humana senão que, na realidade, esta concepção é fruto de uma grande diversidade de influências sociais e históricas, que são o objeto de estudo dos sociólogos.
A maioria de nós vê o mundo segundo as características que tem a ver com nossa própria vida. A sociologia demonstra que é necessário utilizar um ponto de vista mais amplo para saber por que somos como somos e porque agimos da forma que fazemos. Ensina-nos que o que consideramos natural, inevitável, bom ou verdadeiro, pode não ser assim e que as "coisas dadas" de nossa vida são influenciadas por forças históricas e sociais. Para o enfoque sociológico é fundamental compreender de que forma sutil, ainda que complexa e profunda, a vida individual reflete as experiências sociais.
O desenvolvimento de um ponto de vista sociológico
Aprender a pensar sociologicamente -em outras palavras, usar um enfoque mais amplo- significa cultivar a imaginação. Como sociólogos, temos que imaginar, por exemplo, como experimentam o sexo e o matrimonio aquelas pessoas -a maioria da humanidade até pouco tempo- para quem o amor romântico lhes é alheio, e, inclusive lhes parece absurdo. Estudar sociologia não pode ser um processo rotineiro de aquisição de conhecimento. Um sociólogo é alguém capaz de liberar-se de suas circunstâncias pessoais imediatas, para por as coisas em um contexto mais amplo. O trabalho sociológico depende de algo que o autor americano Wright Mills, em uma célebre expressão, denominou de imaginação sociológica (Mills, 1970).
A imaginação sociológica nos pede, sobretudo, que sejamos capazes de pensar nos distanciando das rotinas familiares de nossas vidas cotidianas, para poder vê-las como se fossem algo novo. Consideremos o simples ato de beber café. Que poderíamos dizer, de um ponto de vista sociológico, deste comportamento, que parece ter tão pouco interesse? Muitas coisas. Em primeiro lugar, poderíamos assinalar que o café não é só uma bebida, já que tem um valor simbólico como parte de rituais sociais cotidianos. Com freqüência, o ritual que vem junto do ato de beber café é muito mais importante que o ato em si. Duas pessoas que ficam juntas para tomar café provavelmente têm mais interesse em encontra-se e conversar do que no que vão beber. A bebida e a comida dão lugar em todas as sociedades para oportunidades de interação social e execução de rituais, e estes constituem um interessantíssimo objeto de estudo sociológico.
Em segundo lugar, o café é uma droga que contém cafeína, que tem um efeito estimulante no cérebro. A maioria das pessoas na cultura ocidental não considera que os adeptos do café consumam droga. Como o álcool, o café é uma droga aceita socialmente, enquanto que a maconha, por exemplo, não é. No entanto, existem culturas que toleram o consumo de maconha, e inclusive o de cocaína, porém franze o semblante ante o café e o álcool. Para os sociólogos interessa saber por que existem esses contrastes.
Em terceiro lugar, um individuo, ao beber uma xícara de café, toma parte em uma série extremamente complicada de relações sociais e econômicas que se estendem por todo o mundo. Os processos de produção, transporte e distribuição desta substância requerem transações contínuas entre pessoas que se encontram a milhares de quilômetros de quem o consome. O estudo destas transações globais constitui uma tarefa importante para a sociologia, já que muitos aspectos de nossas vidas atuais se vêem afetados por comunicações e influências sociais que tem lugar em escala mundial.
Finalmente, o ato de beber uma xícara de café supõe que anteriormente se tenha produzido um processo de desenvolvimento social e econômico. Junto com outros muitos componentes da dieta ocidentais agora habituais -como o chá verde, as bananeiras, as batatas e o açúcar branco- e o consumo de café começou a estender-se no final do século XIX, e, apesar de ter se originado no Oriente Médio, a demanda maciça deste produto data do período da expansão colonial ocidental de mais de um século e meio atrás. Na atualidade, quase todo o café que se bebe nos países ocidentais provém de áreas (América do Sul e África) que foram colonizadas pelos europeus, de tal forma que, de maneira nenhuma é um componente “natural” da dieta ocidental.

Sociologia do café (quatro pontos que se destacam na sociologia do café)
1. Valor simbólico: para muitos ocidentais a xícara de café pela manhã é um ritual pessoal, que se repete com outras pessoas ao longo do dia.
2. Utilização como droga: Muitos bebem café para lhes dar um "empurrão adicional". Algumas culturas proíbem seu uso.
3. Relações sociais e econômicas: o cultivo, empacotamento, distribuição e comercialização do café são atividades de caráter global que afetam diversas culturas, grupos sociais e organizações dentro das mesmas culturas, assim como a milhares de indivíduos. Grande parte do café que se consume na Europa e nos Estados Unidos é importada da América do Sul.
4. Desenvolvimento social e econômico anterior: As "relações em torno do café" atuais nem sempre existiram. Desenvolveram-se gradualmente e poderão desaparecer no futuro

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