terça-feira, 8 de abril de 2008

O “menino selvagem de Aveyron"

Atendendo alguns pedidos posto mais um texto sobre o caso dos meninos-lobo. Nesse caso um texto do sociólogo Anthony Giddens de seu manual de Sociologia.
No dia 9 de Janeiro de 1800 uma estranha criatura surgiu dos bosques próximos ao povoado de Saint-Serin, no sul da França. Apesar de andar em posição ereta se assemelhava mais a um animal do que a um ser humano, porém, imediatamente foi identificado como um menino de uns onze ou doze anos. Unicamente emitia estridentes e incompreensíveis grunhidos e parecia carecer do sentido de higiene pessoal, fazia suas necessidades onde e quando lhe apetecia. Foi conduzido para a polícia local e, mais tarde, para um orfanato próximo.
A principio escapava constantemente e era difícil voltar a capturá-lo. Negava-se a vestir-se e rasgava as roupas quando lhes punham. Nunca houve pais que o reclamassem.
O menino foi submetido a um minucioso exame médico no qual não se encontrou nenhuma anormalidade importante. Quando foi colocado diante de um espelho parece que viu sua imagem sem reconhecer-se a si mesmo. Em uma ocasião tratou de alcançar através do espelho uma batata que havia visto refletida nele (de fato, a batata era segurada por alguém atrás de sua cabeça). Depois de várias tentativas, e sem voltar a cabeça, colheu a batata por cima de seu ombro. Um sacerdote que observava ao menino diariamente descreveu esse incidente da seguinte forma:
Todos estes pequenos detalhes, e muitos outros que poderiam aludir, demonstram que este menino não carece totalmente de inteligência, nem de capacidade de reflexão e raciocínio. Contudo, nos vemos obrigados a reconhecer que, em todos os aspectos que não tem a ver com as necessidades naturais ou a satisfação dos apetites, se percebe nele um comportamento puramente animal. Se possui sensações não desembocam em nenhuma idéia. Nem sequer pode comparar umas as outras. Poderia pensar-se que não existe conexão entre sua alma ou sua mente e seu corpo. (Shattuck, 1980, p.69; veja-se também Lane, 1976.)
Posteriormente, o menino foi enviado para Paris, onde se ocorreram tentativas sistemáticas de transformar-lhe “de besta em humano”. O esforço resultou só parcialmente satisfatório. Aprendeu a utilizar o quarto de banho, aceitou usar roupa e aprendeu a vestir-se sozinho. No entanto, não lhe interessavam nem as brincadeiras nem os jogos e nunca foi capaz de articular mais que um reduzido número de palavras. Até onde sabemos pelas detalhadas descrições de seu comportamento e suas reações, a questão não era a de que fosse retardado mental. Parece que ou não desejava dominar totalmente a fala humana ou que era incapaz de fazê-lo. Com o tempo fez escassos progressos e morreu em 1828, quando tinha por volta de quarenta anos.
Sem dúvida, devemos ter cuidado na hora de interpretar casos deste tipo, pois é possível que não se consiga diagnosticar uma anormalidade mental. Por outra parte, as experiências as quais o menino foi submetido poderiam ter-lhe causado danos psicológicos que lhe impediram de alcançar as habilidades que a maioria dos meninos adquire numa idade muito menor. Ainda assim, existe uma similitude suficiente entre este caso e outros que se conhecem como para poder sugerir quão limitadas estariam nossas faculdades si precisamos, desde o princípio, de um período prolongado de socialização.


Veja: A história das meninas-lobo como farsa

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Tópicos de Sociologia do UOL Educação




Comunismo - Idade Moderna - Thomas More e Campanella





A greve - Quadro de Cândido Portinari
Greve - A greve política e a greve por direitos



























Engenheiros do Hawaii: da engrenagem à mandala

Aqui o link para o PDF da versão preliminar de um projeto meu sobre os Engenheiros do Hawaii, tomando suas canções para abordar temas de filosofia, sociologia, história etc. Clique na imagem e confira (depois é só fazer o download pelo site do Overmundo). Como disse é uma versão preliminar, mas acredito que pode ser útil.

A fábula (letra)

a fábula
(the logical song - roger hodgson. versão: humberto gessinger)
Clique na imagem e vá para o site dos Engenheiros do Hawaii
era uma vez um planeta mecânico,
lógico, onde ninguem tinha dúvidas
havia nome pra tudo e para tudo uma explicação
até o pôr-do-sol sobre o mar era um gráfico
adivinhar o futuro não era coisa de mágico
era um hábito burocrático, sempre igual
explicar emoções não era coisa ridícula
havia críticos e métodos práticos
cá pra nós, tudo era muito chato
era tudo tão sensato, difícil de aguentar
todos nós sabiamos de cor
como tudo começou e como iria terminar
mas de uma hora pra outra,
tudo o que era tão sólido desabou, no final de um século
raios de sol na madrugada de um sábado radical
foi a pá de cal, tão legal
não sei mais de onde foi que eu vim
por que é que estou aqui, para onde eu irei
cá pra nós, é bem melhor assim
desconhecer o início e ignorar o fim
da fábula

terça-feira, 1 de abril de 2008

A Fábula- Engenheiros do Hawaii

Usei essa canção dos Engenheiros do Hawaii para introduzir o Positivismo e as idéias de Auguste Comte. Vale dar uma olhada:

quarta-feira, 26 de março de 2008

A canção de Max Gonzaga no vestibular da UEG 2008-1

CLASSE MÉDIA

Sou classe média
Papagaio de todo telejornal
Eu acredito
Na imparcialidade da revista semanal
Sou classe média
Compro roupa e gasolina no cartão
Odeio "coletivos"
E vou de carro que comprei a prestação
Só pago impostos,
Estou sempre no limite
do meu cheque especial
Eu viajo pouco, no máximo
um pacote CVC tri-anual
Mais eu "tô nem aí"
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não "tô nem aqui"
Se morre gente ou tem enchente em Itaquera
Eu quero é que se exploda
a periferia toda
Mas fico indignado
com o estado
quando sou incomodado
Pelo pedinte esfomeado
que me estende a mão
O pára-brisa ensaboado
É camelo, biju com bala
E as peripécias do artista malabarista do farol
Mas se o assalto é em Moema
O assassinato é no "Jardins"
A filha do executivo é estuprada até o fim
Aí a mídia manifesta
a sua opinião regressa
De implantar pena de morte,
ou reduzir a idade penal
E eu que sou bem informado
concordo e faço passeata
Enquanto aumenta a audiência
e a tiragem do jornal
Porque eu não "tô nem aí"
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não "tô nem aqui"
Se morre gente ou tem enchente em Itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta


A letra da canção acima, de Max Gonzaga, traz vários elementos comuns tanto para a reflexão sociológica quanto filosófica, entre outras conexões com várias disciplinas. Temas sociológicos, como violência, classe social, consciência, meios de comunicação, e filosóficos, como ética, consciência, projeto e responsabilidade, estão presentes no texto.

A concepção do texto sobre consciência corresponde à seguinte proposição:

a) A teoria da consciência de Karl Marx, segundo a qual não é a consciência que determina a vida, mas, ao contrário, é a vida que determina a consciência. Assim, o ser social, tal como a situação de classe, determina a consciência dos indivíduos, que é uma consciência de classe.

b) A teoria das representações coletivas de Durkheim, que são compartilhadas por todos os indivíduos de uma sociedade e expressam a supremacia da sociedade sobre o indivíduo.

c) A abordagem fenomenológica do filósofo Husserl, para quem existem proposições universais e
necessárias, derivadas da experiência de classe.

d) A teoria do pensador Descartes, que dá início ao movimento político que mais tarde vai se chamar de “liberalismo”, no qual se depositava no Estado o poder de defesa dos interesses dos indivíduos.

Classe média - Max Gonzaga


Acima o vídeo e abaixo a letra de Classe média, canção de Max de Gonzaga que fez sucesso no festival de música popular da TV Cultura. No site do cantor você pode encontrar mais informações sobre ele, ver vídeos e baixar suas canções em MP3.
Classe Média
(Max Gonzaga)
Composição: Max Gonzaga

Sou classe média
Papagaio de todo telejornal
Eu acredito
Na imparcialidade da revista semanal
Sou classe média
Compro roupa e gasolina no cartão
Odeio “coletivos”
E vou de carro que comprei a prestação
Só pago impostos
Estou sempre no limite do meu cheque especial
Eu viajo pouco, no máximo um pacote cvc tri-anual
Mais eu “to nem ai”
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não “to nem aqui”
Se morre gente ou tem enchente em Itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Mas fico indignado com estado quando sou incomodado
Pelo pedinte esfomeado que me estende a mão
O pára-brisa ensaboado
É camelo, biju com bala
E as peripécias do artista malabarista do farol
Mas se o assalto é em Moema
O assassinato é no “jardins”
A filha do executivo é estuprada até o fim
Ai a mídia manifesta a sua opinião regressa
De implantar pena de morte, ou reduzir a idade penal
E eu que sou bem informado concordo e faço passeata
Enquanto aumenta a audiência e a tiragem do jornal
Porque eu não “to nem ai”
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não “to nem aqui”
Se morre gente ou tem enchente em Itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta
Porque é mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida

Luta de Classes - Cidade Negra



A canção Luta de Classes aparece no segundo álbum da banda carioca Cidade Negra, de nome A Sombra da Maldade. Sua letra traz a idéia de Luta de Classes como elaborada por Karl Marx. A História teria na Luta de Classes o motor de seu desenvolvimento... a partir do surgimento da propriedade privada a história passa a ser marcada pelo confronto dos que detém a posse dos bens e as classes a eles subjugadas... por isso Marx acena com a necesidade do socalismo como saída para esse caminho em que o homem explora o homem... mas como a própria música afirma na Rússia se Stalin a história de exploração se repete...um prato cheio para discussões...O trecho citado do Manifesto Comunista é um bom caminho...
P.S.: Luta de classes não é uma composição do pessoal do Cidade Negra, mas sim do Skank... estranho que não a tenham gravado...


Luta de classes

Tudo que eu posso ver
(Essa neblina...)
Cobrindo o entardecer
Em cada esquina
Tudo que eu posso ver
(Essa fumaça...)
Cobrindo o entardecer
Em cada vidraça
Mas eu quero te contar os fatos
Eu posso mostrar fatos pra você
É só ter um pouco mais de tato
Que fica claro pra você Desde a Antigüidade
As coisas estão assim, assim.
Os homens não são iguais, não são.
Não são iguais, enfim!
Daí toda essa história
Daí a história surgiu
Escravos na Babilônia,
Trabalhador no Brasil.

Tudo que eu posso ver
(Essa neblina...)
Cobrindo o entardecer
Em cada esquina
Tudo que eu posso ver
(Essa fumaça...)
Cobrindo o entardecer
Em cada vidraça
Mas veio o ideário
Da tal revolução burguesa
Veio o ideário, veio o sonho socialista.
Veio a promessa de igualdade e liberdade
Cometas cintilantes que se foram pela noite
Existirão enquanto houver um maior!
Daí é que veio a história
Daí a história surgiu
Escravos na Babilônia,
Trabalhador no Brasil.
Do antigo Egito à Grécia e Roma
Da Europa feudal
Do mundo colonial
Do mundo industrial
Na Rússia stanilista e allstrips
Em Cuba comunista E no Brasil?
E no Brasil, hein?

Daí é que veio a história
Daí a história surgiu
Escravos na Babilônia,
Trabalhador no Brasil.
Baixada!!
(Essa neblina...)
Chega junto, baixada!!
(Essa esquina...)


"Tudo que é solido derrete-se no ar..."



"A história de todas as sociedades que existiram é a história de luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, chefe de corporação e assalariado; resumindo opressor e oprimido estiveram em constante oposição um ao outro, mantiveram sem interrupção uma luta por vezes aberta – uma luta que todas as vezes terminou com uma transformação revolucionária ou com a ruína das classes em disputa. Nos primeiros tempos da História, por quase toda a parte, encontramos uma disposição complexa da sociedade, em várias classes, uma variada graduação de níveis sociais. Na Roma antiga, temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos. Na Idade Média, senhores feudais, vassalos, chefes de corporação, assalariados, aprendizes, servos. Em cada uma dessas classes mais uma vez gradações secundárias. A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade medieval, não aboliu os antagonismos das classes, novas condições de opressão, novas formas de luta no lugar das antigas. Nossa época – a época da burguesia – distinguisse, contudo, por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade se divide cada vez mais em dois grandes campos inimigos, em duas classes que se opõe frontalmente: burguesia e proletariado. (...)
A burguesia, historicamente, teve um papel extremamente revolucionário. A burguesia, em todas as vezes que chegou ao poder, pôs termo a todas as relações feudais, patriarcais e idílicas. Desapiedadamente , rompeu os laços feudais heterogêneos que ligavam os homens aos seus "superiores naturais" e não deixou restar vínculo algum entre um homem e outro além do interesse pessoal estéril, além do "pagamento em dinheiro" desprovido de qualquer sentimento. Afogou os êxtases mais celestiais de fervor religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo filisteu, nas águas geladas do calculismo egoísta. Converteu mérito pessoal em valor de troca. E no lugar de incontáveis liberdades reconhecidas e adquiridas, implantou a liberdade única e sem caráter do mercado. Em uma palavra, substituiu a exploração velada por ilusões religiosas e políticas, pela exploração aberta, impudente, direta e brutal.(...) A burguesia não pode existir sem revolucionar, constantemente, os instrumentos de produção e, desse modo, as relações de produção e, com elas, todas as relações da sociedade. A conservação dos antigos modos de produção de forma inalterada era, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as antigas classes industriais. A revolução constante da produção, os distúrbios ininterruptos de todas as condições sociais, as incertezas e agitações permanentes distinguiram a época burguesa de todas as anteriores. Todas as relações firmes, sólidas, com sua série de preconceitos e opiniões antigas e veneráveis foram varridas, todas as novas tornaram-se antiquadas antes que pudessem ossificar. Tudo o que é sólido derrete-se no ar, tudo o que é sagrado é profanado e os homens são por fim compelidos a enfrentar de modo sensato suas condições reais de vida e suas relações com os seus semelhantes."

Trecho do Manifesto Comunista de Karl Marx e Friendrich Engels

quinta-feira, 20 de março de 2008

Habilidades e competências para a prova de vestibular em sociologia da UEG

Vou dar aula de Filosofia e Sociologia no cursinho da UEG-Jataí. Este é o mote para retomar esse blog. Posto então o conteúdo programático de Sociologia que esta sendo cobrado nas provas da UEG e deve direcionar minhas próximas postagens...


SOCIOLOGIA
HABILIDADES E COMPETÊNCIAS
O candidato deverá demonstrar conhecimento e domínio dos conceitos sociológicos, com competência para aplicá-los à
análise de temas como, por exemplo, desemprego, violência, globalização, sexualidade etc., com capacidade de formulação dentro da perspectiva sociológica. Habilidade para se posicionar, diante de temas relevantes da vida social, como membro da sociedade no exercício da cidadania.
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
- O processo histórico de surgimento da Sociologia.
- Delimitação do campo de estudo da Sociologia.
- Os pensadores clássicos da Sociologia.
- O desenvolvimento da Sociologia e suas principais
escolas.
-Conceitos básicos da Sociologia.
- Processo de socialização.
- Estrutura e organização social.
- Instituições sociais.
- Poder e relações de poder.
- Ideologia.
- Cultura.
- Rural e urbano.

Sociologia e Modernidade (Paulo Ghiraldelli Jr)

parte1:

parte 2:


parte 3:



A modernidade segundo as teorias sociais clássicas (Paulo Ghiraldelli Jr)


O que é a modernidade? Se agora, no final do século, discutimos se vivemos o fim da modernidade e se estamos ou não em uma situação pós-moderna, entre o século XIX e as primeiras décadas deste século, a questão era outra: queria-se caracterizar socialmente os chamados “tempos modernos”. Esse esforço, aliás, pode mesmo já ser tomado como uma das características da modernidade. Um dos seus frutos é o advento e consolidação da sociologia, que muitas vezes é mesmo uma crônica da modernidade. E é a sociologia, justamente em seu momento de consolidação como disciplina universitária na França, com Durkheim, que repõe no centro da discussão sobre a modernidade a preocupação com a ética e com a moral.

Querendo retirar a discussão sobre ética e moral do campo filosófico, de modo a compreender os fenômenos morais, do ponto de vista social, desvinculando os resultados advindos dessa compreensão de qualquer formulação de descrições de caráter normativo, Durkheim, já pode, por isso, ser tomado como um sintoma da modernidade, ao mesmo tempo que constrói uma teoria sobre ela.

Contrapondo-se às visões que entendiam a modernidade como uma época de completa incerteza quanto às possibilidades de vigência da solidariedade entre os homens, Durkheim estuda esse fenômeno moral em sua tese de doutoramento, A divisão do trabalho social. Nela, ele contrapõe à sociedade tradicional o que entende ser a sociedade moderna. Na primeira, a “consciência coletiva” – as crenças, sentimentos etc., partilhados por todos os membros da coletividade – é forte, unitária e homogeneizadora. Consequentemente, nesse tipo de sociedade os homens pouco se diferenciam entre si, e a coesão social é fundada no que ele denomina de “solidariedade mecânica”. Nesse caso a divisão do trabalho tem uma forma rudimentar, geralmente não passando de divisão sexual. Na sociedade moderna, ao contrário, uma força determinada de produção estende e aprofunda a divisão do trabalho: a diversificação, as especializações e, consequentemente, a diferenciação entre as pessoas são intensas. A “consciência coletiva” se enfraquece, abrindo espaço para a “consciência individual”; a própria “consciência coletiva” muda de caráter, passando mesmo a sustentar o “culto do indivíduo”. Durkheim conclui, então, que a crescente divisão do trabalho e as especializações geram uma crescente interdependência entre os membros da sociedade: desenvolve-se uma coesão social baseada não mais na igualdade das pessoas e no total envolvimento da “consciência social” na “consciência coletiva”, mas, sim, baseada na diferenciação e complementaridade entre os membros da sociedade. Tem-se, então, uma situação social na qual vigora a “solidariedade orgânica” e detrimento relativo da solidariedade mecânica. Entendendo que a base moral de cada homem não é feita de generalidades, e que o homem está destinado a preencher uma posição especial no “organismo” social, Durkheim acredita que ele deve, antecipadamente, aprender o seu papel de homem. Com isto não está Durkheim advogando uma especialização precoce da criança, mas, segundo o que ele próprio alerta, apenas lembrando que a educação na sociedade moderna desenvolve um trabalho de orientação vocacional e que este trabalho está inevitavelmente direcionado no sentido de potencializar a “solidariedade orgânica”. A educação participa, então, digamos assim, naturalmente, do desenvolvimento de formas de coesão social que seriam superiores, se integrando em um projeto de conservação da sociedade.
Não que Durkheim secundarize o caráter inerentemente conflituoso da sociedade moderna, pelo contrário, sua compreensão da modernidade é a resposta, talvez não sem uma dose de angústia, diante dos conflitos dos chamados novos tempos, uma resposta que acredita encontrar uma senda na qual ainda poderíamos ver caminhar o fluxo de um progresso otimista. Mas a compreensão durkheimiana da modernidade é tensionada por duas outras teorias sociais que, de certo modo, menos otimista a respeito dos tempos modernos. Como todos sabem, me refiro a Marx e a Weber.

Marx, no Manifesto Comunista, coloca o advento dos tempos modernos em associação ao nascimento e desenvolvimento da “sociedade burguesa moderna”, resultado das “ruínas da sociedade feudal” e continuadora daquilo que ele chamou de “antagonismos de classes”. A história da modernidade é a história do trabalho revolucionário da burguesia que, tendo conquistado o poder, “calcou aos pés as relações feudais, patriarcais e idílicas”. Nesse trajeto, despedaçou, “sem piedade”, “os complexos laços que prendiam o homem feudal a seus ‘superiores naturais’”, deixando subsistir apenas, de homem para homem, “o laço do frio interesse, as duras exigências “do pagamento à vista’.” Ela, a burguesia, afogou os fervores sagrados do êxtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável liberdade de comércio. Em uma palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, a burguesia colocou uma exploração aberta, cínica, direta e brutal.” A burguesia, ainda nas palavras de Marx, “despojou de sua auréola todas as atividades até então reputadas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio fez seus servidores assalariados. A burguesia rasgou o véu do sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a simples relações monetárias." A sociedade moderna é, para ele, a época da contínua “subversão da produção” – e só por ela a burguesia pode continuar a existir -, e de modo a apresentar uma “agitação permanente” e uma insegurança constante. Na modernidade as coisas se tornam antiquadas antes de ossificar, tudo que era sólido se esfuma, tudo o que é sagrado é profanado “e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas condições de sobrevivência e suas relações recíprocas." Na compreensão de Marx, a modernidade é a época do conflito entre o desenvolvimento das forças produtivas – incluindo aí as ciências –, incentivadas e criadas pela burguesia, e as relações de produção e de propriedade – incluindo aí o conjunto de normas éticas e costumes morais - que fundamentam e caracterizam o sistema de vida burguês.

Em Weber, nos estudos que conhecemos pelo título A ética protestante e o espírito do capitalismo, a modernidade é descrita como a época da “organização capitalistica racional assentada no trabalho “formalmente livre”. Isto é, trata-se da época do advento da ‘organização industrial racional, orientada para um mercado real, e não para oportunidades políticas ou especulativas de lucro”, organização esta na qual cada unidade de produção, isto é, cada empresa, se desliga da antiga forma doméstica de produção, passando a adotar, ou melhor, criando mesmo, a “contabilidade racional”. Aprofunda-se, assim, a racionalização, na medida em que o capitalismo se associa a ciência moderna e, principalmente, à técnica, que passa a impulsionar a produção e a ser por esta impulsionada. Essa racionalização penetra as mais diversas instituições, como o Estado – que, por sua vez, passa a ser administrado por funcionários especializados e assalariados, isto e, por uma burocracia independente – e todo o campo cultural. A modernidade cultural, segundo Weber, corresponde à autonomia das esferas de atuação e valoração humanas – ciência, arte e moral – em relação às imagens metafísico-religiosas de mundo que, anteriormente, davam um sentido à vida humana. Weber chama a isto de “desencantamento do mundo”: a “intelectualização” e a “racionalização” crescentes que se manifestam na conduta humana em geral. Weber explica que não se trata de um aumento de conhecimento, popularizado entre os homens, mas significa, sim, que eles passam a agir e pensar, diante dos fenômenos e das coisas que os cercam, levando em conta o conhecimento que poderiam adquirir para entendê-las, enxergando o mundo, então, completamente desencantado, sujeito ao domínio do cálculo e, portanto, da previsibilidade.

Como se vê, as relações entre ciência e ética, na compreensão da modernidade de Weber e Marx, se estabelecem de uma maneira bastante distinta daquela apresentada por Durkheim. Neste, a ciência colabora com a proliferação das especializações, que, por sua vez, potencializam a coesão social na medida em que colaboram com a “solidariedade orgânica”. Moral e ciência não são, social e necessariamente antagônicas. Ora, em Marx, as ciências, principalmente as ciências matemáticas e da natureza, de certo modo como núcleo das forças produtivas, só se desenvolvem às custas das relações de produção – incluindo nestas a ordem ética e moral – e, em determinados momentos, ao contrário, tem esse desenvolvimento truncado, entrando então em conflito com essas relações, colocando na pauta histórica, até mesmo, a revolução social. Em Weber, o desencantamento do mundo é, já a autonomia das esferas de valor, de modo que, na compreensão weberiana da modernidade, a racionalidade, reduzida ao agir com vistas a fins – a racionalidade formal – fica restrita à esfera do conhecimento, isto é, da ciência, enquanto que a moral e a estética são aceitas como o campo do não-relacional. Marx enfatiza o conflito entre ciência e moral, embora ele deixe transparecer, não raro, que acredita que uma sociedade moralmente sadia – isto é, aquela que realiza a liberdade social e individual – depende da contínua dominação da natureza e, sendo assim, de um crédito positivo à ciência e à tecnologia, otimismo que passou logo a ser contestado ainda no século XIX. Ora, Weber não está preocupado com uma sociedade moralmente sadia. Inclusive, há quem diga que ele, pessoalmente e na própria compreensão da modernidade, coloque como inevitável uma moral de resignação e virilidade. Ele vê como inerente à modernidade a crescente intelectualização, que, na sua conceituação, significa à predominância de um tipo de racionalidade (aliás, para ele, a única racionalidade), a racionalidade formal, que, como sabemos, é impulsionada pela mentalidade genericamente de cunho científico-positiva, sendo que, para ele, isso não leva à liberdade, mas sim à vida no interior do que Adorno, por sua vez, chama de “sociedade administrada”.